A Assembleia Nacional angolana vai reunir-se no próximo dia 24 com uma agenda de 13 pontos, dos quais se destaca a substituição de comissários municipais e provinciais eleitorais indicados pelo MPLA, partido maioritário e no Poder há 46 anos.
O ponto 13 da agenda para a terceira reunião plenária ordinária da 5.ª sessão legislativa da IV legislatura da Assembleia Nacional foi proposto pelo grupo parlamentar do MPLA, na conferência dos presidentes dos cinco partidos políticos que integram o Parlamento.
No final da reunião, em declarações à imprensa, o líder parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, disse que a proposta de inclusão desse ponto na agenda é de iniciativa do partido maioritário com o objectivo de “dar um pouco mais de segurança aos actos da Comissão Nacional Eleitoral [CNE], contribuir para a transparência de todo o processo, no sentido de que os actores da CNE tenham o seu mandato devidamente regularizado”.
Por outras palavras, Virgílio de Fontes Pereira reconhece que até agora a “segurança” dos actos da CNE (cujo presidente foi escolhido e imposto pelo Presidente do MPLA) não era assim tão… segura, bem como a “transparência” de todo o processo era (é) substancialmente opaca.
“É evidente que o mandato dos actuais comissários está respaldado no facto de eles cessarem com a tomada de posse dos novos comissários, mas isso não invalida que, na nossa opinião, tenhamos que tomar as cautelas no sentido de deixar clara a situação dos comissários, sejam eles do MPLA sejam eles de um outro partido qualquer, de tal sorte que todos os grupos parlamentares e representações parlamentares foram consensuais em aprovar a nossa proposta”, frisou.
Angola vai (pelo menos está previsto) realizar eleições gerais na segunda quinzena de Agosto deste ano, estando nesta altura a decorrer o processo de preparação eleitoral.
Virgílio de Fontes Pereira salientou que, apesar de os outros grupos parlamentares terem apresentado alguns outros assuntos ligados ao funcionamento e organização da CNE e até dos comissários provinciais, em matéria de substituição ou de correcção de nomes, entre outros, “o foco da proposta tem que ver com a renovação do mandato dos comissários da CNE nos termos em que estão definidos na lei”.
“E pensamos que isto vai contribuir para uma maior estabilidade, sobretudo num momento em que a CNE vai ter grande pressão de trabalho, já está a ter no quadro da preparação das eleições e esse ambiente pode facilitar também o desempenho dos próprios comissários sejam eles de que partido forem”, frisou.
Por sua vez, o deputado da UNITA, Sakaita Savimbi, referiu que sobre o ponto proposto pelo MPLA concordou com a necessidade de renovação de mandatos de membros da CNE.
“A CNE já está a trabalhar e há necessidade para tal e nós concordamos com esta iniciativa”, disse o deputado do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite.
Sakaita Savimbi sublinhou que o tema da CNE na agenda tem a ver simplesmente com substituições, contudo, na reunião foram levantadas outras questões ligadas ao mandato dos comissários.
“Temos comissários que estão na CNE desde 2012, outros desde 2017, e muitos com mandatos expirados, há necessidade de se renovar o mandato para que eles exerçam a sua função agora para essas eleições”, acrescentou.
Na mesma linha de pensamento as representações parlamentares da FNLA, Lucas Ngonda, e do PRS, Manuel Muxito, concordaram com a inclusão do ponto sobre a renovação de mandatos.
“Do lado da FNLA, nós substituímos comissários há um tempo atrás, mas nem todos tomaram posse, temos comissários municipais que ainda não tomaram posse, neste momento a CNE tem estado a fazer um trabalho de campo e não encontra os representantes da FNLA”, queixou-se Lucas Ngonda.
“O PRS abordou a questão dos membros da CNE em que, em tempos idos, pediu a substituição daqueles que já expiraram os mandatos e como tal os processos deram entrada e desses processos uma parte foi dada o tratamento e uma parte está por tratar. A parte que resta tratar [pedimos] para que na reunião do dia 24 se encontre espaço para serem inseridos”, disse Manuel Muxito.
A agenda do dia 24 está essencialmente composta por pontos para votações finais globais, entre os quais se destacam a Proposta de Lei da Actividade Seguradora e Resseguradora e a Proposta de Lei que aprova o Estatuto do Administrador da Recuperação ou da Insolvência, e sobre questões ligadas a tratados internacionais.
Recorde-se que o Presidente da República de Angola, do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, ordenou no dia 19 de Fevereiro de 2020 que a Assembleia Nacional desse posse ao presidente da CNE porque, disse, ele foi indicado de acordo com a legislação.
E assim aconteceu. Para abrilhantar o bordel, dois jornalistas da Palanca TV foram agredidos por agentes da Polícia (do MPLA), em Luanda, enquanto cobriam uma manifestação em protesto contra a tomada de posse do novo presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”.
“Somos um estado de direito e temos que respeitar as leis e o que a lei diz é que é competência do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) indicar, pelo processo apropriado, o presidente da CNE”, declarou João Lourenço durante uma visita de campo à fábrica Textang II.
O presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, que tomou posse nesse dia na Assembleia Nacional, foi uma escolha controversa que mereceu o repúdio da oposição angolana e de organizações da sociedade civil, que apontam irregularidades no concurso e no processo de nomeação. Mas… quem pode manda. E quem manda (desde 1975) é o MPLA e quem manda no MPLA é João Lourenço. Portanto, o MPLA continua a ser Angola e Angola continua a ser do MPLA.
A UNITA e outros quatro deputados independentes da oposição apresentaram nesse dia um requerimentos contra a tomada de posse do novo presidente da CNE, que foram chumbados pela maioria parlamentar (MPLA), conforme ordens superiores baixadas pelo seu Presidente.
Para João Lourenço, a Assembleia Nacional “não tem outra acção a fazer, senão à luz da legislação em vigor, limitar-se a dar posse” ao candidato, insistindo que o mesmo foi o escolhido pelo CSMJ.
O nome de Manuel Pereira da Silva “Manico” foi alvo de um pedido de impugnação da UNITA, submetido ao Tribunal Supremo que, como estamos – citando João Lourenço – num Estado de Direito, fez o que o Presidente mandou.
Na providência cautelar, a UNITA pedia a suspensão da selecção de Manuel Pereira da Silva pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, devido a várias irregularidades registadas no concurso curricular para o provimento dos cargos de presidente da CNE e de presidente das Comissões Provinciais e Municipais Eleitorais.
Na resposta, o Tribunal Supremo argumentou que a providência cautelar não deveria ter sido proposta pela UNITA, atendendo ao facto de que o mesmo não foi parte no concurso que aprovou o candidato Manuel Pereira da Silva como presidente da CNE.
Também o Folha 8 manifestou, publicamente, no dia 19 de Janeiro de 2020, a sua oposição à nomeação de Manico para exercer a presidência da CNE, por ser por muitos considerado não só um embuste, como um jurista parcial e cegamente comprometido com a ala mais radical do partido no poder desde a independência.
A indicação, num processo denunciado, “ab-initio”, inter-pares e não só, como viciado, é uma verdadeira afronta à sociedade civil, aos eleitores e aos partidos políticos, comprometidos com a transparência, rigor, imparcialidade, boa-fé e clara demonstração de já haver um vencedor no pleito eleitoral de 2022.
Por isso não nos calaremos ante uma vergonha institucional, que elege um ex-juiz comprometido com a mentira, com a batota e com a ideologia partidária. Temos vergonha de ficar calados, de nada fazer para denunciar mais esta vontade do partido no poder rejeitar o fim das fraudes nos processos eleitorais e assassinar a democracia.
Se alguém como juiz era mau, como presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda era ruim será, seguramente, siamês da fraude, como presidente da CNE.
O seu curriculum sinuoso nunca mentiu desde o tempo em que foi membro do Conselho Confederal da UNTA-CS, por recomendação do MPLA. Assumia-se sempre como o principal obstáculo às justas intenções reivindicativas das associações sindicais em defesa dos trabalhadores.
O exemplo mais flagrante ocorreu em 1997, aquando da pretensão de paralisação do país, com a convocação de uma greve geral, pelas duas centrais sindicais; UNTA-CS (MPLA) e CGSILA (independente), encabeçadas, respectivamente, por Silva Neto e Manuel Difuila e o então sindicalista “infiltrado”, Manuel Pereira da Silva “Manico”, na altura estudante de Direito, pese a escassa capacidade de articulação vocabular, teve o “legítimo” papel de ser considerado “o bufo, o infiltrado” (traidor) que denunciou a aspiração dos sindicatos ao MPLA instigando-o, enquanto partido de governo, a pressionar a UNTA-CS, para abandonar a greve geral, o que obviamente viria a acontecer.
Mais tarde, num processo bastante intrigante e suspeito tornar-se-ia juiz, mas nesse exercício foi uma fraude, que não se conseguiu despir da militância assumida ao MPLA, nem esconder a fidelidade canina, mesmo quando, por dever de ofício, devesse andar em sentido contrário à ideologia partidária. Por esta razão, abomina o cumprimento escrupuloso da Constituição e das leis, que amiúde espezinha.
Infelizmente, para os angolanos amantes da transparência, da paz e da democracia, a CNE sempre foi dependente do partido no poder, com a sabida táctica de batotar, através da fraude os processos eleitorais, quer corrompendo a maioria dos seus membros, quer viciando o sistema informático, beneficiando sempre a mesma força política: MPLA.
Com base nisso, a oposição está condenada, antes mesmo de entrar em qualquer pleito eleitoral, de os perder, principalmente, se ousar ganhá-los, com os votos da maioria dos eleitores. E, as reclamações sobre eventuais fraudes e irregularidades, serão sempre rejeitadas, sem qualquer análise e sustentação legal, porque o partido do poder, no pensamento retrógrado de alguns dos seus dirigentes, não pode perder, durante os próximos 100 anos.
Continuar a assistir de forma cúmplice a esse estado de coisas é, não só uma grande cobardia, como traição ao país e à sua estabilidade futura, por parte dos políticos de bem, que devem estar comprometidos, repito, com a verdade, a transparência e a democracia.
Folha 8 com Lusa
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